Podes saber mais sobre o autor aqui.
Arte de gritar
Quisera dizer coisas
que ninguém tivesse dito antes de mim.
Deixar uma pegada sobre areia intacta,
não sobre outras pegadas que já houvesse lá.
Mas cheguei tarde; os que me precederam
no exercício desta arte de gritar
amavam a minúcia, a completude,
nunca deixavam uma tarefa a meio.
Disseram tudo. Deixaram só migalhas susceptíveis
de glosas rasteiras, para eu me entreter
como uma criança pobre brinca com destroços
de brinquedos recuperados do lixo.
E eu digo essas migalhas como quem
escreve a terra em laudas rasuradas.
E escrevê-las-ei mesmo quando
não tenha língua já para as dizer.
(Os poetas entendem-me estes mansos
trocadilhos. Outros não importa.)
Poema de António M. Pires Cabral, visto aqui. Podes saber mais sobre o autor aqui.
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